Disponibilização: terça-feira, 4 de fevereiro de 2020
Caderno 2: Judiciario
Fortaleza, Ano X - Edição 2312
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pleiteada, pugnando pelo seu deferimento. É O BREVE RELATO. DECIDO. II - FUNDAMENTOS DA SENTENÇA. Sobre a
temática posta em tablado, necessário se faz registrar a princípio que, como é cediço, com o advento da Constituição Federal
de 1988, a saúde foi alçada à condição de direito fundamental que assiste a todas as pessoas (art. 6.º, CF/88), traduzindo-se,
pois, em um verdadeiro poder do cidadão de se exigir perante o Estado, responsável por atender a esse direito, a contraprestação
sob forma de prestação dos serviços de natureza social (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais.
10.ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 49-51). Por esse motivo, o texto constitucional (art. 196, CF/88) incumbiu ao Estado o
dever político-constitucional de velar pelo direito à saúde, por meio de políticas econômicas e sociais (STF; RTJ 175/1212-1213,
Rel. Min. CELSO DE MELLO); entretanto, o próprio constituinte, ciente de que o Poder Público, qualquer que seja a dimensão
institucional em que atue no plano da organização federativa, não conseguiria sozinho desempenhar tal mister constitucional,
permitiu que a assistência à saúde viesse a ser prestada igualmente pela livre iniciativa (art. 199, CF/88), mas, ressalte-se, de
forma complementar. Neste caso, todavia, com o escopo de evitar abusos do setor privado, ao Poder Público foi assegurada a
prerrogativa de regulamentar, fiscalizar e controlar aqueles serviços. (TJ/MG; Ap.Civ. 2.0000.00.395988-2/000(1); Relator:
Desembargador ANTÔNIO SÉRVULO; Julgamento: 2 de Setembro de 2003). Dai porque a Lei n.º 9.656/98 foi editada, visando
regular os planos e seguros privados de assistência à saúde, enquanto a Lei n.º 9.961/2000 criou a Agência Nacional de Saúde
Suplementar - ANS. (STJ; REsp 1590221/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 07/11/2017, DJe
13/11/2017). Dessarte, pela interpretação dos regramentos suso mencionados, indubitavelmente, conclui-se que “[...] à iniciativa
privada é facultado ingressar na atividade voltada à assistência à saúde. E se assim o faz, deve bem assumir o seu papel,
equiparando-se ao Estado na responsabilidade pela sua prestação, em conformidade com os princípios constitucionais de
justiça social e de relevância dos serviços de saúde.” (TJ/PA; AgInst. 01007961320158140000; Órgão Julgador: 5.ª CAMARA
CIVEL ISOLADA; Relator: Desembargador LUIZ GONZAGA DA COSTA NETO; Julgamento: 11 de Dezembro de 2015). Ademais,
outro diploma legal eleito pela jurisprudência pátria para avaliar a relação de consumo atinente ao mercado de prestação de
serviços médicos foi o Código de Defesa do Consumidor. Tanto que o entendimento sobre a matéria já se encontra consolidado
no âmbito dos Tribunais Superiores em torno do enunciado da Súmula n.º 469 da Corte Superior de Justiça, que ora reproduzo
in litteris: “Aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos contratos de plano de saúde.”. Isso porque, em processos como o
ora sub examine, os litigantes se enquadram na condição de consumidor final, prevista art. 2.º da Lei Consumerista, e no papel
de fornecedora de serviço, descrito no art. 3.º do mesmo diploma legal. Desta feita, mormente em hipóteses desse jaez, alinho
meu entendimento àquele perfilhado pelos Tribunais pátrios, no sentido de que: “Configurada a relação de consumo, as
cláusulas contratuais devem ser interpretadas da maneira mais favorável ao consumidor, obedecendo as regras dispostas no
Código Consumerista.” (TJ/PR; Ap.Civ. 1308036-9; Órgão Julgador: 9.ª Câmara Cível; Relator: Desembargadora Vilma Régia
Ramos de Rezende; Julgamento: 11 de Junho de 2015). O posicionamento ora encampado significa dizer que, o plano de saúde
contratado não está obrigado a fornecer cobertura ilimitada, porquanto, segundo os próprios termos dos julgados suso
mencionados, o conteúdo do contrato ainda deve ser observado; em outras palavras, as exclusões e limitações nele previstas
não podem ser vistas sempre como ilegais (TJ/SP; Ag. Inst. 2075153-83.2015.8.26.0000; Órgão Julgador: 9.ª Câmara de Direito
Privado; Relator: Desembargador José Aparício Coelho Prado Neto; Julgamento: 1 de Março de 2016). Na verdade, a
jurisprudência e o ordenamento jurídico pátrios buscam tão somente assegurar ao consumidor uma posição de igualdade
perante a operadora de planos de saúde, mediante o afastamento dos efeitos decorrentes de cláusulas e recusas nitidamente
abusivas por parte desta última, com o fito de assim preservar a natureza e a finalidade da avença. (TJ/RJ; Ap.Civ. 018767385.2010.8.19.0001; Órgão Julgador: DECIMA SETIMA CAMARA CÍVEL; Relator: Desembargador ELTON LEME; Julgamento: 28
de Setembro de 2011). Com efeito, durante todo este julgado, adianto que terei em mente que: “O objetivo do contrato de seguro
de assistência médico-hospitalar é o de garantir a saúde do segurado contra evento futuro e incerto, desde que esteja prevista
contratualmente a cobertura referente à determinada patologia; a seguradora se obriga a indenizar o segurado pelos custos com
o tratamento adequado desde que sobrevenha a doença, sendo esta a finalidade fundamental do seguro-saúde.” (STJ; REsp
1053810/SP, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/12/2009, DJe 15/03/2010). Cumpre ainda
salientar que, de acordo com aquela Corte Superior de Justiça: - “O fato de o procedimento não constar do rol da ANS não
afasta o dever de cobertura do plano de saúde, haja vista se tratar de rol meramente exemplificativo, não se admitindo restrição
imposta no contrato de plano de saúde quanto à obtenção de tratamento necessário à completa recuperação da saúde do
beneficiário.” (STJ; AgInt no AgInt no AREsp 1134753/CE, Relator: Ministro LÁZARO GUIMARÃES (DESEMBARGADOR
CONVOCADO DO TRF 5ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 22/05/2018, DJe 30/05/2018). Desta feita, constata-se que o
fato da assistência à saúde ser livre à iniciativa privada, por força do art. 199 da CF/88, não garante aos particulares a
prerrogativa de se desobrigarem a dar uma cobertura integral, limitando, portanto, ao seu bel-prazer, o tempo de internação e
realização de apenas exames médicos e tratamentos autorizados pela ANS. Isso porque, a saúde não se caracteriza como uma
mercadoria genérica e tampouco pode ser equiparada a outras atividades econômicas, máxime por constituir um meio
imprescindível de se garantir os direitos fundamentais à vida e à dignidade humana (RJTAMG 75/145). JOSEANE SUZART
LOPES DA SILVA, com propriedade, ilustra esse contexto ao lecionar que: “Os contratos que têm por objeto a prestação de
assistência à saúde dos indivíduos não podem ser tratados como tantos outros que versam sobre bens jurídicos disponíveis e
cujo valor pode ser aquilatado com facilidade. A saúde, como já dito em inúmeras outras oportunidades, é o bem jurídico por
excelência, pois apresenta uma importância que o destaca de todos os demais, justificada pelo simples fato de que o homem,
sem um estado físico-orgânico e psíquico-emocional equilibrado, não terá condições de usufruir os demais produtos (materiais
ou imateriais) colocados à sua disposição. A saúde do homem apresenta um altíssimo valor , exigindo engenhosos e cuidadosos
esforços para ser mensurada [...]” (Planos de Saúde e Boa-fé Objetiva, 2010, Juspodivm, Salvador. 2a edição, p. 255/256).
Nessa senda, tenho como inarredável o entendimento de que “O Rol de Procedimentos editado pela Agência Nacional de Saúde
não é taxativo, mas mínimo, pois, o Estado, por força da ordem constitucional, não restringe procedimentos e tratamentos
médicos, que reduziriam o risco da doença e de outros agravos.” (TJ/MG; Apelação Cível 1.0145.11.038814-0/001, Órgão
Julgador: 16ª CÂMARA CÍVEL; Relator: Desembargador José Marcos Vieira, Julgamento: 30/10/2013). Na verdade, consoante
já sacramentou a melhor jurisprudência pátria, “Somente é admitida a intervenção da ANS em favor do consumidor, seja para
afastar cláusulas abusivas ou ampliar a proteção contratual.” (TJ/PE; Ap.Civ. 4072342; Órgão Julgador: 5.ª Câmara Cível;
Relator: Desembargador Agenor Ferreira de Lima Filho; Julgamento: 2 de Dezembro de 2015), não sendo, por via de
consequência, admissível à luz das normas vigentes no ordenamento jurídico pátrio (arts. 46 e 54, § 4.º, CDC), a existência de
cláusula contratual que exclua de forma geral a cobertura de procedimentos e medicamentos unicamente por estes carecerem
de previsão no rol da ANS. Nesse contexto, insta salientar outrossim que, ao ver deste julgador, necessária se faz, com urgência,
uma nova reflexão por parte de todo o Poder Judiciário sobre o tema ora sub examine, máxime porque, por muitos anos, têm
sido editados comandos às operadoras de planos de saúde de todo o país, a fim de que estas custeiem tratamentos muito
dispendiosos, enquanto seus clientes, em alguns casos, arcam com valores de mensalidades muito inferiores ao total do
tratamento pleiteado; não poucas vezes são contratadas as modalidades mais básicas dentre as oferecidas, para, empós, os
Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará - Lei Federal nº 11.419/06, art. 4º